Margot e o diretor de I, Tonya, Craig Gillespie, conversaram sobre o filme com a revista Rolling Stone e falam sobre a violência doméstica sofrida por Tonya, a rivalidade feminina e mais. Confira:

Tonya Harding ainda é mais conhecida como a mulher que talvez, possivelmente, potencialmente teve parte – para constar, ela negou – no incidente onde sua rival na patinação Nancy Kerrigan foi atingida no joelho antes da Olimpíadas de 1994. Margot Robbie sabe disso – a atriz australiana passou meses estudando a triste história da vida de Harding em preparação para a biografia I, Tonya, e ela estava bem ciente da opinião do público sobre a patinadora. Mas quanto mais Robbie cavava, mais ela desenvolvia simpatia pela campeã. Quando foi a hora de finalmente conhecer seu assunto cara a cara, Robbie estava um pouco preocupada sobre como a antiga aficionada dos tablóides estava passando. O que aconteceu deixou ela em choque.

“Ela estava mais preocupada sobre como eu estava passando,” Robbie lembra, sentada em um quarto de hotel em Manhattan no mês passado. “‘Como você está lidando com a fama tão jovem? Como você está lidando com os treinos?’ Eu não esperava isso.”

Na época que Harding tinha 23, ela era a vilã da América, uma sensação por todas as razões erradas e uma piada fácil. Mas I, Tonya, dirigido por Craig Gillespie, reconta sua história como uma comédia de humor negro, uma que desafia a narrativa maldosa que seguiu a patinadora por anos. O filme traça seu começo como patinadora recordista e o tumulto após o incidente empregando uma estrutura estilo Rashomon, onde Tonya e seu antigo marido Jeff Gillooly (Sebastian Stan) dão suas versões ferozmente contraditórias do que aconteceu. O resultado é engraçado, sim, mas também de partir o coração como representa graficamente o abuso que Harding disse que aguentou nas mãos de Gillooly – que foi culpado no ataque e acusou sua ex mulher – e sua mãe, LaVona Golden (Allison Janney). “Eu queria que as pessoas se sentissem culpadas,” Gillespie diz. “Eu queria que você chegasse para assistir ao filme com um julgamento e então ter essa perspectiva mudada.”

Uma frase na abertura do filme revela que o que está por vir é baseado em entrevistas reais com Harding e Gillooly – graças ao roteirista Steven Rogers, que conseguiu infiltrar a vida dos dois quando estava se aprofundando no projeto como um possível roteiro. Em suas conversas separadas com o par, ele viu que suas perspectivas eram tão diferentes que Rogers simplesmente os deixou falar por si mesmos, se dirigindo diretamente ao público e deixando suas versões incompatíveis dos eventos competindo por tempo de tela. A audácia desse roteiro conseguiu a atenção de Robbie, que estava procurando por projetos liderados por mulheres para produzir com sua produtora LuckyChap Entertainment.

Nesse ponto, a australiana não conhecia a história de Harding, ou que as partes mais ridículas da trama – como o agressor de Kerrigan, Shane Stant, bater em uma porta de vidro trancada – foram tiradas da vida real. “Eu pensei, ‘Wow, esse roteirista tem uma criatividade louca para criar essas coisas bizarras,” Robbie diz. “Eu amo que ele escreveu em um estilo que parece uma paródia de documentário tipo [em aspas] uma história “real.” Ao saber que todos os aspectos mais ultrajantes eram 100 por cento reais, ela achou “incrível e cativante” e imediatamente quis entrar. “Havia muitos elementos assustadores: Pessoas reais que ainda estão vivas, lidar com violência doméstica, um tom muito específico que somente poucos diretores conseguiriam atingir. Então conseguir o cineasta certo foi uma grande parte,” Robbie diz, citando que ela também assinou para produzir: “Eu não estava preparada para deixar essas coisas nas mãos de outras pessoas. Eu fiquei tipo, ‘Desculpa, mas eu preciso ter minha palavra nisso.'”

Interpretar Tonya – que envelhece 29 anos no tempo do filme – precisou múltiplos tipos de transformação física para a atriz de Esquadrão Suicida. Primeiramente, Margot passou por um treinamento rigoroso de patinação com a coreógrafa Sarah Kawahara, que, em uma coincidência bizarra, trabalhou anteriormente com Kerrigan. “Eu senti que eu vivia em um rinque de patinação,” Robbie diz. “Toda vez que meu despertador tocava às cinco da manhã, eu ficava ‘Eu não posso fazer isso de novo hoje, eu ainda estou com machucados de ontem.'” Antes das filmagens, Gillespie coreografou as cenas de performance para que Robbie e as duas patinadoras substitutas pudessem trabalhar. A maioria das coreografias replicadas na tela são baseadas no programa verdadeiro de Harding – como quando ela se torna a primeira americana a fazer um salto triplo em competição durante o campeonato de 1991. Apesar de que, uma das coreografias saíram do sonho do diretor: Um número com Sleeping Bag da banda ZZ Top (uma música que Harding realmente usou) que ele vê como uma mistura de “todas as coisas que são únicas para a Tonya,” peculiaridade que desagradava os jurados conservadores que ela estava contra.

Como a produção independente não podia pagar protéticos extensivos, a equipe de maquiagem usou outros truques para incorporar o espírito de Tonya, como comprar produtos baratos que poderiam ser encontrados naquela época. Robbie falou sobre ajustar sua postura. “Nós lidamos com muitos problemas de classe e escrutínio da mídia,” ela diz. “Eu queria sentir como se o mundo estivesse apoiado nela. Eu queria seus ombros curvados, sua cabeça inclinada. Eu queria que ela sempre estivesse na defensiva – e quando ela estivesse sentada inclinada para frente, esperando por aprovação, como ela estava esperando por sua nota.” E, claro, Robbie estudou muito: “Eu assisti por seis meses cada coisa, cada vídeo de patinação, cada entrevista, cada documentário, eu escutava no meu iPod durante a noite… Eu tinha seu rosto pintado por dentro das minhas pálpebras e sua voz constantemente na minha cabeça.”

O resultado disso é a interpretação de uma mulher que é áspera e confiante enquanto está sendo continuamente tratada com desdém. Robbie diz que a última coisa que ela queria era ser exploradora, mas ela também não queria ocultar que Tonya foi vítima de violência. Na verdade, uma das primeiras perguntas que a atriz fez a Gillespie em sua primeira reunião foi como ele iria lidar com o abuso. “Quando ela me perguntou pela primeira vez, eu disse, ‘Eu acho que não podemos ocultar isso,'” ele diz. “Eu acho que precisa ser brutal porque nos informa quem ela realmente é como pessoa e por que ela fez aquelas escolhas. Então, eu realmente não queria suavizar porque eu senti o quanto sua vida foi difícil, e o jeito que ela vê o mundo é por causa da violência sendo tão central em sua vida. A parte difícil foi, como você muda disso para o humor em uma cena diferente?”

Os relacionamentos perigosos de Tonya com Gillooly e LaVona (interpretada por Janney como um monstro de boca suja e uma chaminé) estão no centro do palco em I, Tonya. Suas interações com Kerrigan, no entanto, foram deixadas de lado – algo que Robbie foi grata e disse ser intencional. “Não há nada que eu odeie mais do que ler um roteiro onde duas mulheres são colocadas contra a outra,” ela diz. “Não há nada que eu odeie mais do que ler um artigo onde eles estão tentando encontrar um escândalo do nada e fazer parecer como se só houvesse espaço para uma mulher no topo – então é melhor elas se odiarem.”

Ela ainda está vendo esse tipo de material já que pouco mudou desde que Kerrigan foi nomeada “Branca de Neve de patins” e Harding uma “rabugenta bruxa do gelo,” por um artigo do Los Angeles Times na época. Mesmo após 20 anos como vilã, Tonya pode estar finalmente sendo reavaliada como uma “mulher independente e forte,” por Gillespie – alguém que rejeitou a tradição e foi punido por isso. Para Robbie, o que quer que você pense de Harding, ela só espera que I, Tonya faça o público olhar através das manchetes de fofoca e ver a patinadora como um ser humano.

“Todo mundo queria resumi-la a essas pequenas entrevistas e manchetes chamativas,” ela diz. “E ainda fazemos isso hoje em dia. Mas não é tão simples assim.”

Fonte | Tradução e Adaptação: Equipe Margot Robbie Brasil