A Empire Magazine visitou o set de Aves de Rapina no início do ano passado e conversou com Margot Robbie e os demais produtores do filme. Confira abaixo:

Margot Robbie senta pulando na ponta de uma língua muito grande e longa, rindo histericamente. É protuberante de uma estátua de uma cabeça de uma mulher no estúdio em Burbank, onde hoje serviu como um parque de diversões abandonado e assustador. Sentada em outra língua, ao oposto de Robbie, também pulando, estão a diretora Cathy Yan e a roteirista Christina Hodson, tentando (não inteiramente com sucesso) ter uma reunião séria entre as tomadas. O trio formou uma gangue nos últimos quatro anos, liderando o filme que Robbie sonhou desde que interpretou Harley Quinn – uma psiquiatra que se tornou uma criminosa louca – em Esquadrão Suicida em 2016. Robbie, Yan e Hodson estão se divertindo tanto, que você esquece que a cena de ação que elas estão tentando entender (envolve uma luta que se passa dentro de um escorregador enorme) é uma das mais complexas de Aves de Rapina.

Usando seu boné de produtora, Robbie começa a ensaiar a coreografia da luta. É imediatamente claro que ela é a dona do show. Ela é uma chefe popular. Nas sextas-feiras, ela escolhe um código de vestimenta temático. Hoje é Hawaí, por isso a equipe está vestida com camisas havaianas e colares de flores. Na semana passada, o tema era São Patrício. Seu elenco e equipe não conseguem parar de elogiar sua ética de trabalho e intelecto. O produtor Bryan Unkeless até insiste que ela é a pessoa mais impressionante que ele já conheceu. ”Eu sinto que tenho muita sorte de conhecer Margot Robbie mais do que qualquer outra pessoa na minha vida,” ele diz. ”Todos os dias nos preocupamos com centenas de coisas, mas nunca tivemos preocupações quanto à Margot.”

Quando Robbie aceitou o papel da Harley no filme de David Ayer, ela adotou a personagem como uma criança que ela queria criar. ”Harley se tornou incrivelmente importante para mim,” ela diz, colocando uma camisa havaiana para esconder suas tatuagens temporárias da Harley. Em Esquadrão Suicida, Harley estava sozinha em sua feminilidade; ela era definida por seu relacionamento com o Coringa, criado por homens. Robbie tinha a fantasia de que Harley conseguiria escapar e encontrar um grupo de meninas. Ela é sua anti-heroína em sua própria Gotham – uma cidade mais vibrante, mais colorida, e francamente, mais insana. E então, para Aves de Rapina, Robbie dirigiu o processo, escolhendo Hodson para escrever o roteiro, e se separando da fórmula do gênero para realizar seu esquadrão.

Isso provou ser oportuno. Em três anos desde Esquadrão Suicida, os movimentos #MeToo e Time’s Up encorajaram mulheres em Hollywood a parar de segurarem suas línguas. ”É um ótimo momento na cultura para contar essas histórias,” diz a produtora Sue Kroll. ”O fato de estar sendo feito como um empreendimento comercial tão grande, populista e com a DC é realmente emocionante.” O filme procura abordar minuciosamente perguntas de 2020. Quem é a Harley sem o Coringa? Quem é a mulher sem o homem? E como ela é apoiada por outras mulheres ao seu redor?

A resposta está no longo título Aves de Rapina: Arlequina e sua Emancipação Fantabulosa. Emancipação é uma ótima palavra. No set, todo mundo é ávido ao enfatizar que esse filme é separado de Esquadrão Suicida. Longe está a violência gratuita. No lugar disso está um filme sobre mulheres, feito por mulheres, para todo mundo. É movido pelo olhar feminino, até a escolha dos calçados. ”Se desviamos para um salto em que você não poderia andar, dizemos ‘Não!’” diz a figurinista Erin Benach, que garantiu que as roupas são divertidas mas também pragmáticas para todos os chutes iminentes. Harley é DIY. Ela usa fita isolante como acessório. ”Harley é a alma da festa todo o tempo. Ela pode dançar até o esquecimento.”

Até a estrutura está inovando na DC. Não é machão – liderada nem por explosões de computador nem por um enredo linear. ”Eu estava tão indiferente à explosão de prédios,” diz Robbie. ”Eu queria fazer algo mais contido.” A Gotham que entramos não é a Manhattan do Morcego, mas o Brooklyn ou Queens mais sombrio e barulhento. É no nível de rua. Nós temos uma prévia de aspectos da cidade que ainda não conhecemos. Por exemplo, o Clube do Máscara Negra, é como um bar privado só para membros; uma sociedade secreta onde pessoas sem vida e os gatos gordos se encontram, e onde Harley mostra seus talentos para dança. Yan explica que a narrativa é desenhada para ecoar o caos desorganizado da mente da Harley, para parecer uma história contada para você sem pausas por uma amiga. Ela vai e volta. Você se apega aos tópicos esperando que faça sentido no final. ”É o cérebro da Harley. Capta o humor grosseiro que as mulheres tem,” a diretora diz.

Quando nós encontramos a Harley, ela acabou de terminar com o Joker. Ele largou ela. ”Ela está tentando superar,” Robbie diz. ”Esse pareceu um jeito real de lidar com um término. Não é fácil ser uma mulher forte. É muito difícil.” O coração da Harley está arrasado enquanto ela tenta organizar sua vida novamente. Seu apartamento alugado fica em cima de um restaurante chinês. ”É uma bagunça,” diz Kroll. A Empire conseguiu uma prévia de uma cama cheia de papéis de doce que a Harley esteve comendo e fitas cassetes de desenhos (Pernalonga, etc). Um macacão estampado com carinhas tristes no sofá. E tem uma hiena de estimação chamada Bruce (uma homenagem para o Morcego?). ”Harley ama animais de estimação incomuns,” Kroll ri.

Em um vídeo de um minuto mostrado para a Empire, o humor e frescor aparecem imediatamente. Harley cortou a franja. Ela está chorando rios. ”Ela está mais como Courtney Love do que Debbie Harry dessa vez,” Robbie diz. Dependente e viciada no Coringa, ela chegou no fundo do poço. ”Ela diz, ‘Estou solteira, eu não preciso dele, foda-se esse cara.’ Mas se o Coringa mandar uma mensagem, ‘Está acordada?’ ela iria correr. Ela iria desmoronar.”

Harley precisa se preparar para descobrir quem ela é sem o ex-namorado louco. E sem a proteção dele, ela também precisa lidar com todos em Gotham que estão atrás de um pedacinho dela. Robbie foi ávida ao explorar o aspecto da doença mental e a natureza infantil da Harley. Por exemplo: ela dorme com um castor – Beavy. ”Eu durmo com meu coelho que tenho desde que nasci,” Robbie confessa. ”Por que Harley se sente apegada a um brinquedo? As pessoas se apegam em coisas da infância quando elas não lidaram com o passado ainda.”

Aves de Rapina pode ser um dia na vida da Harley, mas crucialmente não é sobre ela. Uma mulher não pode contar a história de todas as mulheres. ”Harley sozinha é como uma criança em uma parquinho sozinha. Onde está a diversão?” Robbie pergunta. O mundo da DC é cheio de personagens femininas para explorar, e as escolhas aqui foram um movimento intencional para diversificar as mulheres o máximo possível. Durante sua jornada de autodescobrimento, Harley encontra uma jovem menina – Cassandra ‘Cass’ Cain) interpretada por Ella Jay Basco). Cass está com um alvo em suas costas graças ao dono da boate, Roman Sionis, aka Máscara Negra (Ewan McGregor), e seu escudeiro Victor Zsasz (Chris Messina) – um serial killer com cicatrizes por todo o corpo para representar seus assassinatos. Harley descobre que as outras Aves de Rapina estão investidas na proteção de Cass e possuem problemas com Roman. Elas são forçadas a ficarem juntas contra suas vontades.

Não é tarefa fácil que esse seja o primeiro elenco de mulheres em um filme de super-heróis. A diversidade na idade e formação do elenco feminino permitiu a perspectiva de inúmeras mulheres. Na série da DC, as Aves são uma equipe de super-heroínas com uma política de portas giratórias. A adaptação de Robbie escolhe a equipe mais miscelânea: Canário Negro (Jurnee Smollett-Bell), Caçadora (Mary Elizabeth Winstead) e a detetive subestimada detetive Renee Montoya (Rosie Perez). Elas não se dão bem. ”Eu não queria As Panteras,” diz Yan. ”Eu não queria que parecessem que elas estavam em uma irmandade.” Aspira ser uma versão mais realística dos relacionamentos mais complexos entre mulheres. Unkeless coloca de maneira melhor: ”O ato de fazer o filme tem sido uma camada de manifestação sobre o que é o filme: mulheres únicas, inteligentes e talentosas que vêm trabalhar juntas.”

Então, sem mais delongas, vamos conhecer as Aves. Primeiramente: Canário Negro. Nós a conhecemos como Dinah Lance – uma feroz lutadora de rua cuja morte da mãe a deixou órfã. ”Dinah está fechada para o mundo e não quer saber de limpar Gotham. Ela está tipo, ‘Foda-se Gotham,’” Jurnee Smollett-Bell diz. Dinah também não gosta da Harley. ”Ela acha a Harley irritante pra caralho.” Eventualmente, elas se entendem. Smollett-Bell foi forçada a considerar a questão de por que as mulheres negam seu potencial. Sua emancipação vem quando ela para de se sabotar. O treinamento rigoroso de artes marciais quase sabotou Smollett-Bell. ”Foi tão cansativo!” ela ri. ”Foi importante testar meus limites. É o que a Dinah faz.”

Cass é uma menina de rua de 12 anos em roupas largas para esconder todos seus artigos roubados. Diferente da história original dos quadrinhos, Cass não é protegida pela Batgirl original, Barbara Gordon, mas sim pela Harley. A dinâmica é de irmãs. Robbie se tornou mentora de Basco, de 13 anos, também. Esse é seu primeiro filme. ”Esse filme vai mudar a indústria para sempre,” diz Basco, orgulhosa de representar a comunidade asiática ao lado de Yan. O elenco de Rosie Perez como Renee Montoya – uma policial gay que sempre foi ignorada e foi demitida – dá uma dimensão maior ao grupo. Perez trouxe sua própria experiência como uma mulher ”quase-hétero” de Porto Rico que cresceu na pobreza para Renee, além da sua própria experiência com o ativismo contra o HIV/AIDS. ”Ela está tentando entender que não é somente onde você luta, é como você luta,” ela diz sobre Renee. ”Algumas vezes você precisa sair da sua própria caixa, entender que você não está sozinha na luta, que você precisa de uma equipe. Renee esteve gritando e engolindo essa raiva, acordando de ressaca, não entendendo como isso entrou no seu caminho.”

A peça final do quebra cabeça é a militante Caçadora, vestida em meia arrastão, couro e com tranças em seu cabelo. Nascida Helena Rosa Bertinelli, ela é a filha de um poderoso mafioso. Quando criança, sua família foi assassinada na sua frente. Ela treina para se tornar uma assassina para vingar suas mortes. O próximo em sua lista? Roman. Mary Elizabeth Winstead sempre foi relutante em estrelar em franquias de quadrinhos por medo de ser sexualizada demais. ”Esse filme foi muito importante,” ela diz sobre trabalhar com tantas mulheres. ”É algo que me foi negado por muito tempo. Apenas não estava em discussão.”

Apesar da mentalidade da gangue, Harley permanece isolada em um aspecto: ela não é uma heroína como as outras Aves. Não há um grande arco onde ela se torna uma pessoa diferente. ”Ela não é uma boa menina, ela nunca vai salvar o dia,” Robbie diz. Ela é uma catalisadora de caos. Robbie entrega que no final dos créditos, Harley pelo menos se sente ”um pouco menos triste sobre si mesma”. Ela está quase superando o Coringa. A tarefa de contar sua história é fisicamente e emocionalmente desgastante, mesmo sem a tarefa que Robbie tem de produzir o filme. Harley é constantemente estimulada. ”Ela pode reagir de milhões de jeitos diferentes,” diz Robbie. ”É demais. Ontem estávamos todos almoçando e passou um bolo por mim e eu disse, ‘Oooh, bolo!’ E alguém disse: ‘O quanto da Harley fica com você?!’”

Quatro anos atrás, ninguém estava pedindo por um filme das Aves de Rapina. Agora, parece que é exatamente o que o doutor prescreveu. ”É engraçado,” diz Robbie. ”O movimento #MeToo mudou a relevância de cada projeto. Ou ficou muito urgente ou totalmente inconsequente. É de muita sorte que esse filme se tornou importante. Quatro anos atrás isso não foi o que me motivou – eu só queria ficar com um grupo de garotas.”

E já está sendo doloroso dizer adeus. É por isso que Robbie está considerando sequências e spin-offs solos para as personagens. Ela diz que não se sentiu em casa em um set desde os três anos que passou em Neighbours na Austrália. ”Eu acho que o que você deve levar disso é que Aves de Rapina foi como estar na Ramsay Street.” Ela ri mais uma vez. Talvez para Harley Quinn e sua versão de Gotham, bons vizinhos se tornaram bons amigos.

Fonte: Empire Magazine | Tradução & Adaptação: Equipe Margot Robbie Brasil